lunes, 21 de abril de 2014

libritoTRES

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Gerência dos recursos disponíveis para a educação, distribuição eqüitativa de suas infra-estruturas, etc.
48
Diário da república de Angola. Orçamento Geral do Estado, 2005. Maiores detalhes a respeito do
investimento em educação, nos anos de 2003 a 2006, estão no segundo capítulo, nas tabelas 18, 19 e 20.








Tabela 6: Taxa de escolarização primária e de sobrevivência escolar


                       
                       
                       



Ainda segundo o Relatório de 2003, que trata dos objetivos do
desenvolvimento do milênio em Angola, a situação que pode explicar a causa do baixo
índice de desenvolvimento humano que tem sido notado, e com drásticas conseqüências
no desenvolvimento potencial, é o nível educacional. Estima-se que “26% da população
com mais de 15 anos sejam analfabetas, havendo outras estimativas que apontam para
50%, e que a taxa de escolarização do ensino básico se situa nos 57%” (Relatório
MDG/NEPAD, 2003, p. 10). Quase um terço das crianças encontra-se na situação de
nunca freqüentar ou nunca freqüentaram a escola. O calculo do índice de analfabetismo
em Angola, até o ano de 2003, limitou-se às províncias de Luanda, Benguela, Cabinda e
outras cidades acessíveis no período de guerra. Os dados têm sido apresentados mais em
aproximações (dados aproximados), o que faz com que haja disparidade, por exemplo,
entre os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) e os da PNUD, UNICEF e
outros órgãos não-governamentais que atuam em Angola.
Enquanto os dados do Ministério da Educação apontavam para uma
taxa de alfabetização de 55% no país em 1998, por outro lado, segundo as estimativas
do Banco Mundial e da UNICEF, a taxa de analfabetismo estava calculada em 60%
neste ano de 1997 a 1998. Portanto mais da metade da população encontrava-se na
condição de analfabetismo. Espera-se, com o fim da guerra, que se obtenham, através de
novas pesquisas, dados mais exatos que permitam ter uma visão mais abrangente da
questão do analfabetismo em Angola, assim como da freqüência e desistência de alunos
matriculados anualmente.
Outro fator que os resultados do IRDF (Inquérito às Receitas e
Despesas Familiares) realizado pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) mostra-nos é
o da pobreza que o país apresentava em 2000. O resultado deste ano indicava que a
pobreza abrangia “cerca de 68% da população, havendo 26% em situação de pobreza
extrema”. Cabe ainda lembrar que em Angola a “fronteira para a pobreza extrema está
situada em 22,8 USD por mês (0.76 USD por dia) e em 51,2 USD (1.70) para a pobreza.
A nível internacional considera-se o limiar da pobreza em 2 USD/dia e o da pobreza
extrema em 1 USD/dia” (Relatório MDG/NEPAD, 2003, p. 9).
A demanda escolar, cada vez mais alta, fazia com que o número de
alunos por sala ultrapassasse os quarenta. Isso afetou, por um lado, o nível de
aproveitamento dos alunos e, por outro, a preparação do seu quadro docente, que não
atendia o desafio posto pela demanda escolar o que de alguma forma contribui para que
a cada “100 alunos matriculados na 1a. classe apenas 30 concluem a 4a. classe e 15 a 6a.
classe. Na 1a. classe a taxa de reprovação ultrapassa os 30%” (Relatório MDG/NEPAD,
2003, p. 11). Entre outras causas do fracasso escolar, o Relatório de 2003 apresenta as
seguintes: deslocação forçada das famílias em conseqüência da guerra, deficiente grau
de cobertura da rede escolar, trabalho infantil e fatores de natureza cultural e uma
elevada taxa de desperdício de recursos.
As possibilidades de acesso ao ensino não seguem o mesmo ritmo por
questões administrativas e disparidades no repasse de recursos destinados ao ensino das
províncias, o que faz com que algumas tenham maior ou menor número de crianças fora
do sistema escolar. O quadro (Tabela 7) abaixo mostra as províncias que abrangem
maior ou menor número de crianças.



Tabela 7: Abrangência do ensino básico nas províncias
                       
                       
                     

A partir desta tabela percebem-se as diferenças existentes em termos
de atendimento da educação e seu nível de abrangência. Percebe-se também que a
obrigatoriedade apontada pelo Estado - para as primeiras quatro séries iniciais - ainda
não está devidamente implementada, pois as infra-estruturas existentes não comportam
todas as crianças em idade escolar. Destacam-se também as dificuldades que provêm da
falta de material didático, que se juntam às “precárias condições de vida dos docentes e
dos encarregados de educação” (Espírito Santo, 2000, p. 161).
A não permanência na escola, devido à precariedade das condições,
faz com que, à medida que se aumenta de nível, seja maior o número de alunos que se
encontram fora do sistema escolar. Esta situação não provém simplesmente da falta de
interesse (dos alunos), mas sim da falta de uma estrutura (espaço escolar) suficiente, que
possa receber os alunos que terminam, por exemplo, o primeiro nível para continuar
com o segundo, terceiro nível e o ensino médio. Como Espírito Santo (2000, p. 163)
destaca em seu texto, o “cumprimento da escolaridade obrigatória constitui
objetivamente um dos indicadores que permitem aferir da acessibilidade de um sistema
educativo, enquanto a verificação do seu não cumprimento constitui factor objectivo de
inequidade”.
De acordo com a Tabela 8, de 1990 a 1998, notou-se uma relativa
estabilidade nos primeiros dois anos letivos (1992/3) e um decréscimo, com a retomada
da guerra, em 1993, que se deu depois das primeiras eleições presidências (setembro de
1992). O número de alunos reduziu-se bastante, as vezes por motivos de deslocamento,
de uma província para outra, ou das infra-estruturas destruídas, além da situação de
reprovação. A tabela também nos permite perceber, entre outras situações, a diminuição
constante de alunos à medida que se aumenta de nível escolar. Enquanto que, no ano
letivo de 1990/1, no primeiro nível, se tinham 990.155 alunos inscritos (1a. à 4a. classe),
no terceiro nível apenas estavam inscritos 34.626 (7a. à 8a. classe). O mesmo se repetia
nos anos seguintes, ou seja, menos da metade dos alunos inscritos no primeiro nível
conseguiam concluir o terceiro nível.



Tabela 8: Tendência de evolução de 1990 a 1998
                       
                       
                     
* No ano de 1996/7, devido às greves que se vinham registrando no país, o calendário escolar,
que até então se dava de setembro a junho, passou por uma reorganização. Assim sendo, a partir
de 1997, as aulas passaram não mais a começarem em setembro, mas sim em fevereiro.


A não permanência e continuidade de alunos no ensino de 1a. à 8a.
classe se repete quase todos os anos. Como se pode notar, por exemplo, no ano letivo de
1997 a 1998, o número geral de freqüência mostra também que há uma desproporção na
repartição, pois, enquanto que, nas séries iniciais, temos uma maior concentração de
alunos, no terceiro nível o número de alunos é muito inferior se comparado ao dos
alunos ingressantes no primeiro nível (de 1a. à 4a. classe).
A Tabela 9 mostra a decaída que acontece à medida que se passa de
um nível para outro. O maior número está concentrado no primeiro nível.


Tabela 9: Freqüência geral de alunos (1997-1998)
                       
                       
                     



As taxas de escolarização registradas no ano letivo de 1997/8 também
mostram quantas crianças em idade escolar, dos 6 aos 14 anos, estavam escritas nas
escolas, porém nem todas freqüentavam a escola por falta de vagas. As crianças
inscritas chegavam a 2.874.100, o que representa 58,7% deste grupo etário. Por outro
lado, as crianças em idade escolar fora do sistema de ensino, na mesma idade, eram
2.020.442, isto é, 41,3% deste grupo etário. Um dado importante é notar que, fazendo
uma comparação entre os sexos, o número maior de alunos fora do sistema escolar é
feminino, com 1.035.876, enquanto que o masculino é de 984.566.
Fazendo uma comparação dos alunos do segundo nível (5a. e 6a.
classes) por sexo e por província notam-se, também, a predominância do masculino e a
pouca participação feminina. Esta situação acontece sobretudo por falta de incentivo no
coletivo social e de espaço dedicado à valorização da participação da mulher dentro da
sociedade angolana.
A Tabela 10 ilustra-nos, em números, como se deu a participação
feminina e masculina no segundo nível (da 5a. à 6a. classe) no ano letivo de 1997/8.


Tabela 10: Alunos matriculados no IIo. Nível em 1997/8
                       
                       
                     

Analisando a taxa bruta49 de escolarização que cada província
apresentou no ano de letivo de 1997/8, constataram-se os seguintes dados:

Tabela 11: Taxa bruta de escolarização por províncias50 (1997/8)
Província
Cabinda
Zaire
Uíge
Luanda
Kwanza Norte
Kwanza Sul
Malange
Lunda Norte
Lunda Sul
Benguela
Huambo
Bié

Taxa bruta de
escolarização
158,3% *
37%
19,1%
95,3%
42,9%
86,5%
20,1%
39%
37,5%
115,2% *
16,9%
26,7%


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49
A taxa bruta indica o número total de crianças inscritas no ensino. isso não significa que todos tenham
freqüentado as aulas durante o ano letivo e que ao final do ano transitaram para a classe seguinte.
50
* As províncias de Cabinda e Benguela apresentaram dados acima de 100% por incorporarem nas
inscrições crianças ou adolescentes fora da faixa etária normal deste nível escolar.








Moxico
Kuando-Kubango
Namíbia
Huíla
Cunene
Bengo

18,9%
46,2%
93,3%
90,7%
69,8%
39%

Fonte: Conjimbi, 2000, p. 175.



Como dizia Conjimbi (2000, p. 175), durante a semana da educação
ocorrida em Luanda em 1999, as províncias que normalmente têm apresentado “taxas
superiores a 100%” demonstram que “o ensino do Io Nível atende um número
significativo de crianças que se encontram fora da faixa etária oficial”, enquanto que as
“taxas inferiores a 100% indicam insuficiência da oferta nessas províncias”.
A tabela acima mostra-nos também que, por um lado, as dezoito
províncias de Angola não têm o mesmo nível de cobertura educacional, isto é, os alunos
não recebem a mesma atenção, por parte do governo e, por outro lado, nota-se também
que os governos locais (governo provincial) carecem de políticas eficientes para
incentivar a formação do seu quadro docente e a melhoria da estrutura de ensino. Isso
proporcionaria a permanência da criança na escola e conseqüentemente a continuidade
para níveis posteriores.





libritoDOS

CAPÍTULO III
PRIMEIRA REFORMA DO SISTEMA EDUCACIONAL (1976-
2000): ORGANIZAÇÃO E ABRANGÊNCIA
Analisar a organização do sistema educacional (depois de 1975), o seu
desenvolvimento e abrangência constitui o ponto principal, no qual pretendemos nos
deter neste terceiro capítulo. Todavia, também é fundamental apresentarmos algumas
reflexões que nos permitam compreender as medidas educacionais tomadas e a
prioridade que estas tiveram, em termos de políticas públicas, nas decisões do Estado,
isto é, do investimento financeiro no setor educacional para atender ao desenvolvimento
cultural, econômico e político de Angola. Entre outras medidas tomadas destacam-se o
rompimento com a cultura colonialista, o desenvolvimento de um sistema educacional
voltado à valorização da cultura nacional, o desenvolvimento das ciências e técnicas
nacionais, o desenvolvimento da democracia política e da justiça social, a reforma
agrária, visando maior integração social e produtividade, o estabelecimento da unidade
nacional e africana (vide Anexo 3).
A organização do sistema educacional (1976) partiu da necessidade de
mudança do sistema de educação que Angola herdou do colonialismo português -
classificado como ineficiente, limitado e, em termos culturais, mais voltado ao domínio
cultural de Portugal. O sistema educacional português exaltava seus valores em
detrimento dos valores nativos de Angola. Averiguando os manuais usados nas escolas,
até a década de 1960 e finais de 70, ainda é possível notar a presença da ideologia de
domínio colonial.
E isso representou uma grande dificuldade no momento da
reorganização do sistema educacional (1976), pois os professores de que Angola
dispunha para a sua educação eram frutos da educação colonial. Outra grande
dificuldade provinha da falta de meios materiais suficientes para a produção de novos
manuais de ensino, material didático suficiente para o país, assim como de um programa
eficiente para a formação dos novos professores, que pudessem colocar em prática as
medidas traçadas com o objetivo de serem implementadas em Angola.
Nos anos anteriores à independência (1960-1974) Angola havia
travado uma luta pela defesa dos direitos de liberdade, autonomia política e
independência em relação às autoridades portuguesas que se encontravam, nesta fase,
sob o regime de Salazar (regime que procurou, a todo custo, injetar no país angolano a
guerra e o terror contra todo aquele que, de alguma forma, tentava desobedecer às
ordens portuguesas colonialistas).
Depois de 1975 além da dificuldade apontada, na área de educação,
outros problemas, já mencionados no primeiro capítulo, gerados pelo sistema político
anterior, também se fizeram presentes, tais como: o desacordo entre os movimentos
políticos de Angola (MPLA, UNITA e FNLA), em parte gerado por Portugal para
permitir o desequilíbrio entre estes movimentos e assim manter maior domínio sobre a
colônia; a disputa de outros países em defesa de seus próprios interesses econômicos
(exploração do petróleo, minérios, ferro, etc.), uns através de apoio ao movimento de
luta nacional, outros através de alianças feitas com Portugal; a falta de unidade entre os
dirigentes de movimentos nacionais e de compromisso com a paz em Angola.
As disputas políticas pelo poder, desencadeadas depois de 1975, entre
os movimentos, com o incentivo externo, permite-nos pensar que a preocupação da luta
estava centrada na ascensão ao poder político e no controle da economia, pois não
foram medidas as conseqüências dos meios utilizados para que tal ambição fosse
realizada. O compromisso e responsabilidade política com a paz, democracia e bem
estar social, sobretudo durante os anos de 1993 a 2002, foi relegado ao segundo plano,
justamente porque nenhum dos movimentos queria “abrir mão” de suas ambições
particulares, pelo diálogo, para pôr fim à guerra armada.
O sistema de guerra permitiu a destruição das poucas infra-estruturas
herdadas do governo colonial. Problemas de acesso limitado ao ensino básico, baixa
qualidade do ensino, não efetivação do projeto de ampliação dos espaços escolares, etc.
conquistaram maior espaço à medida que a guerra se proliferava no país, tomando conta
da vida da sociedade.
No período em que Angola era tratada como uma colônia (século
XIX), raramente os colonizadores mostravam-se preocupados com a formação ou
educação dos nativos, pois a preocupação principal do colonizador estava, certamente,
voltada para a exploração da força de trabalho e, para isso procurava, através dos
mecanismos de restrições e ampliação do trabalho forçado, impedir tentativas de
organização de ensino formal. Todavia, tal política não conseguiu impedir que a
educação não formal fizesse parte do quotidiano do povo angolano. A luta de resistência
aos valores do colonizador e a emancipação (independência) é um exemplo.
É no início do século XX que começam a aparecer os primeiros sinais
de preocupação, por parte do Governo Português, de regulamentar um ensino oficial,
diferente daquele que era dado por instituições religiosas, voltado especificamente para
os negros. Um estudo que trata do ensino em Angola (colônia), de Gastão Souza Dias,
na altura professor do Liceu da Huila (1934), mostra em seus gráficos, em termos de
freqüência, a situação das escolas primárias, por exemplo, nos distritos da Huíla e
Mossamedes, na matricula de 25 de dezembro de 1933: do total de 1.490 alunos
matrículados, 1.125 eram brancos africanos, 104 brancos europeus, 234 mestiços e 27
negros (Dias, 1934).
O chamado ensino rural para indígenas, que em Moçambique
funcionou desde 1930 com o nome de ensino rudimentar, foi criado em Angola pelo
“Diploma Legislativo n.o 518, de 16 de abril de 1927”, o qual reconhecia a necessidade
de o Estado português criar um sistema de ensino em Angola voltado aos negros. A
finalidade deste tipo de ensino seria “divulgar entre o gentio a língua portuguesa, bem
como criar entre as crianças indígenas hábitos de higiene, de compostura e de trabalho,
predispondo-as a receberem facilmente os benefícios da civilização” (Dias, 1934, p. 28).
Até 1933 funcionavam em Angola vinte (20) escolas rurais, nas quais
lecionavam professores indígenas e outros mestiços. Gastão S. Dias defendia a
necessidade de recrutar maior número de professores entre os indígenas da província
(Angola) e assegurar a formação destes professores através de uma escola, a ser
construída, de professores de ensino elementar destinada principalmente aos indígenas.
Todavia, esta idéia “se afigurava como errônea” (Dias, 1934, p. 28) para algumas
autoridades portuguesas, que não concordavam que se formassem “mestres negros” (ou
indígenas) para instruírem outros negros.
Funcionavam, até o ano de 1934, na colônia (Angola) “69 escolas
primárias com uma freqüência total, aproximada, de 4.500 alunos”, dos quais menos de
5% eram negros. Havia em toda “colônia três inspectores do ensino primário, cento e
nove professores e professoras diplomados, cinco professoras ajudantes e três
professoras do ensino infantil” (Dias 1934, p. 21). Foi regulamentado também, através
do “Decreto do Alto Comissariado, n.o 242, de 22 de fevereiro de 1922” (Dias, 1934, p.
24) o ensino profissional destinado aos indígenas. O decreto apontava este tipo de
ensino como uma “necessidade inadiável”. E de acordo com o art. 2 do mesmo decreto:

O objetivo das escolas-oficinas é prover ao aperfeiçoamento e moralização
dos hábitos e carácter das populações indígenas, disseminando o ensino de
profissões manuais, de educação moral e da língua portuguesa, como
necessárias e graduais etapas do seu progresso para uma civilização mais
perfeita (Dias, 1934, p. 24-25).

Os argumentos em relação a este tipo de ensino profissional destinado
aos indígenas são de que os benefícios que tais escolas poderiam fornecer são grandes e
importantes ao trabalho da colônia. Segundo o Gatão S. Dias (1934),

A transformação por elas operada sobre o gentio, roubando-o à inferioridade
da senzala, vestindo-o, fazendo dele um artífice meticuloso, incutindo-lhe,
pelo exemplo, hábitos de asseio, levando-o a preferir à cubata a casa
construída pelas suas próprias mãos, abrindo-lhe a inteligência pela
freqüência da escola, moralizando-o pelo sentimento da família, deve
constituir um dos motivos de orgulho da nossa acção civilizadora (Dias,
1934, p. 25).

E quanto aos professores que deveriam trabalhar nessas escolas-
oficinas o autor defendia o seguinte:

se em todos os gêneros de ensino a escola vale o que vale o seu professor,
neste caso o aforismo toma um significado muito particular; e por isso a
escola tem de ser aqui o único processo de recrutamento do professorado. O
professor das escolas-oficinas deve possuir especiais qualidades de
ponderação e de bondade, espírito de justiça e simpatia comunicativa,
virtudes que imediatamente gerarão na alma simples do negro um sentimento
de respeito e subordinação, sem o qual as escolas dificilmente poderão
progredir (Dias, 1934, p. 25).


As citações acima colocadas, de Gastão S. Dias, permitem-nos
entender o tipo de mentalidade desenvolvido em Angola através da educação, da qual
Angola herdaria seus professores assim como seus dirigentes, que também são frutos
desta educação colonial. O rompimento com a cultura portuguesa não se dá, num
primeiro momento, de uma maneira radical, uma vez que, na forma em que foi
organizado o novo sistema de ensino, a estrutura política e a organização administrativa
do país estão presentes elementos típicos da colonização: a subordinação, “centralidade”
do poder político, a discriminação não de “raças” (fruto de uma construção histórica de
domínio) mas sim de raízes (do assimilado espiritualmente em relação ao não-
assimilado), a permanência da visão humanista vertical tipicamente européia, na qual a
classificação se dá por ordem de valores em detrimento da visão humanista africana
horizontal40 formada pela diversidade cultural e lingüística.
Além desta situação apontada acima, há por outro que considerarmos
o desafio que o novo governo, agora angolano, haveria de enfrentar, isto é, criar a partir
de 1976 políticas concretas que pudessem permitir a correção dos altos índices de
analfabetismo apresentados pelo país41, ocasionados pela escassez do material básico de
ensino, falta de professores, pouca abrangência do sistema educacional, etc. Havia
também a necessidade de rever-se os conteúdos a serem ensinados e desenvolvidos no
país independente, rever a formação do quadro docente e erguer novas infra-estruturas
escolares.
Em vista desta situação foi elaborado o chamado Plano Nacional de
Ação para a Educação de Todos. A preocupação principal deste plano era apresentar
uma resposta ao problema da alfabetização de crianças e adultos, procurar, aos poucos,
aumentar os espaços escolares de ensino, desenvolver a formação e aperfeiçoamento
constante dos professores para permitir a expansão do ensino básico. Aprovado em
1977, o Plano Nacional de Ação para a Educação de Todos visava fundamentalmente
ampliar a oportunidade de acesso à educação fundamental - sobretudo aos primeiros
quatro anos de ensino (1a. a 4a. classe - gratuito).
Houve a cooperação de outros países, como Cuba, que enviava para
Angola professores e estagiários para lecionarem nas escolas, principalmente no ensino

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40
Maiores detalhes da abordagem sobre o humanismo vertical europeu e o humanismo horizontal,
africano podem ser encontrados na obra de Du Bois, Willian Edward Burghardt. As almas da gente negra.
Traduzida por Heloisa T. Gomes. RJ, 1999. E também, de forma geral, tem considerável contribuição
neste debate a obra de Appiah, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. RJ, 1997.
41
Calculava-se em 85% o índice de analfabetismo no final da colonização portuguesa – 1975.



fundamental, médio e superior, devido à falta de professores angolanos suficientes para
atender a estes níveis de ensino, e também em cursos de formação de professores
angolanos. Segundo Teresa J. A. da Silva Neto, em sua tese de doutorado defendida em
2005 na Unicamp, “uma das peculiaridades técnicas desta cooperação se acentuava na
facilidade de adaptação do ensino ministrado por esses professores às condições sociais
de Angola, até adaptando e improvisando carteiras para que os professores não ficassem
sem aulas, por falta deste recurso material” (Silva Neto, 2005, p. 157). Porém não
podemos esquecer que a ligação ou cooperação com os professores cubanos devia-se,
também, a uma questão política e ideológica de países alinhados. Angola estava neste
momento sob sistema e governo de um partido que se auto-afirmava socialista e
defensor dos princípios desta política.
A defesa do socialismo, por parte do partido no poder, permitiu que
fosse possível uma aproximação com Cuba, União Soviética (URSS), Hungria,
Bulgária, países do antigo Leste Europeu e outros que se encontravam sob este regime
político, depois da segunda guerra mundial. É importante analisar o porquê da ligação
de “Angola” (MPLA) a estes países, da UNITA à África do Sul e aos EUA, e da FNLA
à China e ao Zaire (atual República Democrática do Congo - RDC) para perceber-se o
interesse que estava por detrás destas ajudas ou apoios dados aos movimentos políticos
angolanos. Não se tratava apenas de uma ajuda ao país recém independente, mas
também e, sobretudo, do alastramento estratégico e ideológico dos princípios
defendidos por cada uma das partes (do bloco socialista e capitalista), envolvidas na
guerra fria.
Angola tornara-se um espaço onde as lutas pelos interesses se
entrecruzavam, desde o interesse puramente econômico ao domínio do poder político. A
política que cada um dos movimentos empreendeu em Angola, depois da
independência, permite-nos compreender o quanto se diferenciava da ideologia do
socialismo (defendido pelo MPLA) ou da democracia ou ainda do capitalismo (pela
UNITA e FNLA), que esses movimentos diziam defender, uma vez que nada tinham de
“profundidade” política que pudesse identificá-los com estas ideologias.
Além dos professores cubanos que se deslocavam para Angola com
intuito de atuarem nos diversos níveis de ensino havia também a possibilidade de os
jovens angolanos se formarem no sistema educacional cubano. Estes iam, através das
bolsas de estudo cedidas pelo governo cubano, para as mais variadas áreas do
conhecimento, na ilha da Juventude de Cuba. Segundo Silva Neto (2005, p. 157)
“estima-se que Angola, em 1978, recebeu de Cuba 951 bolsas de estudos e 1200
crianças e adolescentes do primeiro grau (5a. e 6a. classes), foram estudar na Ilha da
Juventude, e este número se elevou para 4.800 crianças e adolescentes no ano seguinte”.
A atuação dos professores cubanos estava ligada, também, aos cursos de especialização
técnica de nível médio para operários angolanos.
A elaboração dos primeiros programas do sistema de ensino também
contou com a colaboração de profissionais cubanos, que atuavam como especialistas e
assessores do Ministério da Cultura. Eles tiveram atuação significativa na área de
formação de técnicos médios em saúde, além de áreas como artes, teatros, plásticas,
danças e outras formas de manifestação e desenvolvimento cultural. Além dos
professores formados, também iam para Angola cubanos estagiários, que atuavam no
ensino fundamental.
O plano nacional de educação, nos primeiros anos que se seguiram à
independência, procurou estimular as famílias a participarem nas atividades escolares
dos filhos, na luta pela redução do analfabetismo através da organização de salas de
aulas, não apenas nos espaços escolares, mas também nas fábricas, nos quartéis
militares, em cooperativas agrícolas e nos bairros para a alfabetização de adultos. Outro
desafio que se apresentava concerne ao fato de algumas línguas nativas não possuírem
escritas que possibilitassem a alfabetização. Esta situação levou o então governo a
aprovar em 09 de março de 1987 a resolução (publicada no Diário da República) que
regulamenta o ensino de línguas nacionais.
Segundo esta resolução, as línguas nacionais são o suporte e veículo
da continuidade cultural e exigem, portanto, um tratamento privilegiado por
constituírem elemento fundamental de identidade cultural angolana. Desta forma, a
título experimental, foram aprovadas para a alfabetização em línguas nacionais o
“Kikongo, Kibumbundo, Cokwé, Umbundu, Mbundu e Oxikwanyama e as respectivas
regras de transcrição” (Diário da República de Angola, 1987 p. 212. in: Silva Neto,
2005, p. 159).
Para assegurar a inserção e organização do alfabeto das línguas
nacionais criou-se em 1987 o chamado Instituto Nacional de Línguas, responsável pelos


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42
Estudantes universitários que iam para Angola efetuarem o seu estágio durante um período limitado,
geralmente nas férias.







estudos lingüísticos. Este instituto era dirigido pelos técnicos e professores angolanos e
aqueles (não professores) mais velhos que tinham o conhecimento e domínio da língua.
Desde 1977 o governo procurou, teoricamente, tornar obrigatório o sistema de ensino
primário. Todavia, dada a situação de conflito, muitas das medidas traçadas (já
mencionadas no início deste capítulo) no plano teórico, não puderam sair do papel para
serem concretizadas.

1 - Implementação da reforma educacional


A necessidade de ampliar a educação se apresenta, já nos anos 50 e
60, não somente como preocupação de Angola, mas no mundo todo, como preocupação
geral, impulsionada pelo avanço da tecnologia. Massificar a educação como forma de
recuperação e estabilidade sóciopolítico e de desenvolvimento econômico era uma
questão emergencial. Em Angola ocorre, neste período, a organização mais efetiva dos
movimentos de luta pela independência nacional e a separação entre eles.
As idéias de mudanças em relação à educação respondiam assim a
esta emergente preocupação de concretizar, logo depois que o país tivesse alcançado sua
liberdade, a estabilidade econômica e política. Esta preocupação é expressa por um dos
documentos, do início dos anos setenta, chamado Programa maior do MPLA (vide
Anexo 3). Entre outras medidas traçadas, apresentamos aqui aquelas que estavam
vinculados ao “desenvolvimento da instrução, da cultura e da educação”. Estas visavam
fundamentalmente o seguinte:

• Liquidação da cultura e da educação colonialista e imperialista. Reforma do
ensino em vigor. Desenvolvimento da instrução, da cultura e da educação ao
serviço da liberdade e do progresso pacífico do povo angolano.
• Combate vigoroso e rápido do analfabetismo em todo o país.
• A instrução pública será da competência do Estado e estará sob a sua acção
directa.
• Tornar efectiva, progressivamente, a instrução primária obrigatória e
gratuita.
• Desenvolver o ensino secundário e o ensino técnico-profissional e criar o
ensino superior.
• Estabelecimento de relações culturais com países estrangeiros. Formação e
aperfeiçoamento dos quadros técnicos necessários à construção do país.
• Impulso e desenvolvimento das ciências, das técnicas, das letras e das artes.
• Instrução, no campo, de meios eficazes e suficientes para a assistência
médica e sanitária das populações camponesas. Desenvolvimento
equilibrado, à escala nacional, dos serviços de assistência médica e sanitária.
• Liquidação da prostituição e do alcoolismo.
• Estímulo e apoio às actividades progressistas da juventude.
• Fomento e protecção, em todo o país, da cultura física 43.


Depois da independência Angola apresentava uma taxa elevada de
analfabetismo, calculada nesta fase em 85% do total da população. Havia urgência em
se tomar medidas para a superação desta situação que, em termos gerais, não contribuía
para a solidificação de uma opção política e, muito menos, para a defesa de direitos que,
a nosso ver, requer determinado conhecimento formal para que possam ser defendidos.
Entendemos que o conhecimento e domínio da escrita, assim como das leis (direitos e
deveres pessoais e do Estado para com a sociedade) permitem ao cidadão, não só
reconhecer-se quando é bem ou injustamente governado, como também contribuir para
a melhoria da vida em sociedade.
A independência ou revolução se solidifica também com um povo
instruído, isto porque o agir político, econômico e até mesmo quando se trata de
defender direitos, exige espaços para reflexão e acesso a informação. Percebe-se então
que com um povo analfabeto as dificuldades são maiores. O desafio que se apresentava
consistia, acima de tudo, na luta contra o analfabetismo para poder consolidar uma
política que atendesse, pelo menos, às preocupações emergentes e fundamentais que o
país recém independente apresentava - questões administrativas e organizacionais. Fato
que não se verificou devido aos conflitos e antagonismos ideológicos que se foram
propagando entre os movimentos e ao não cumprimento das obrigações propostas em
acordos que visavam à formação do governo de transição. Havia também, por parte dos
movimentos, uma demasiada preocupação pela apropriação do poder em substituição do
poder colonial sem, no entanto, abrir espaços de debates e participação de outros
movimentos na administração pública do país.

__________________________________________________________________
43
Angola: Documentos do MPLA. Vol. 1, no. 2. Lisboa. ULMEIRO, 1977, p. 65-71.




Com o poder nas mãos, o MPLA, de orientação política “marxista-
leninista”, procurou organizar uma política educativa, aprovada em 1977 e
implementada em 78, como forma de responder às “necessidades do país” e à
consolidação da independência nacional. Esta política, como atestam os documentos e
discursos políticos da época, é caracterizada, essencialmente, pelos princípios de
igualdade de oportunidades, da gratuidade no acesso à escola e da continuidade de
estudos.
A substituição da política herdada do colonialismo português diante
do esfacelamento a que o país estava submetido pelas lutas entre movimentos e pela
instalação de um governo totalitário implicou em mudanças no currículo escolar,
sobretudo na formação de professores. Estas mudanças não se deram em função de uma
consolidação política (unidade nacional) entre os três partidos políticos, mas sim, da
supremacia de um em detrimento de outros.
É peculiar notar-se que dada a insuficiência do quadro docente em
atender a demanda, o ensino limitou-se, em muitos casos, ao ensino precário da língua
portuguesa e de outras disciplinas, mas sem o conhecimento ou domínio necessário, por
parte do professor, dos conteúdos de ensino. Neste período, as aulas eram ministradas,
em grande parte, por monitores escolares, que mais tarde passaram à categoria de
professores colaboradores e de professores propriamente ditos, mas com uma formação
muito baixa (quarta classe).
A implementação de uma reforma educacional, do ponto de vista
político, representava uma preocupação, pois se acreditava, como já reiteramos, que o
ensino é elemento fundamental e estratégico que possibilita mudanças. Além do
discurso que apontava para a necessidade de mudanças através da educação,
predominou também o desejo de manter politicamente uma estrutura ideológica de
domínio no país independente, o que requer distinguirmos os intentos da reforma
realizada dos aspectos ideológicos subjacentes para a compreensão das dificuldades
enfrentadas pela educação. Assim, pensar sobre o ensino representa não apenas uma
preocupação com o saber ler e escrever, mas sim, pensar numa questão maior, que
concerne ao entendimento do espaço sócio-político, econômico e cultural, das regras da
convivência social, da práxis política e suas relações em sociedade.


2 - Organização do sistema educacional

Em 1976 a organização do sistema educacional, além de representar
uma questão desafiadora para o novo país, no qual se pretendia edificar uma nova
cultura de paz e “liberdade”, envolvia também a questão de que a educação deveria ser
fundamentada nos valores culturais da sociedade angolana. Segundo Francisca do
Espírito Santo (2000, p. 156), o Sistema de Educação desenvolvido caracterizava-se,
basicamente, pelo aumento de oportunidades educativas, gratuidade do ensino de base
(primeira à quarta classe), obrigatoriedade de freqüentar o primeiro nível e o
aperfeiçoamento pedagógico do seu corpo docente.
A dificuldade que se apresentava era grande e, portanto, exigia dos
seus respectivos responsáveis uma adequada capacidade de tomada de medidas
objetivas que visassem permitir o rompimento com o anterior sistema. Desta forma,
pensava-se terminar com o sistema de educação anterior para implementar uma
educação que perspectivasse a “dignificação e unidade” do país. De acordo com o
Decreto no. 40/80 de 14 de maio, o sistema educacional em vigor desde 1978 constituía-
se em subsistemas que compreendiam as seguintes etapas: Educação pré-escolar; Ensino
Básico (de três níveis – o primeiro, da 1a. à 4a. classe; o segundo, da 5a. à 6a. classe; e o
terceiro, da 7a. à 8a. classe); Ensino Médio (dividido em técnico e normal); Ensino
Superior (bacharelado até o terceiro ano e a licenciatura até a quarto ou quinto ano,
dependendo do curso); ensino e alfabetização de adultos.





Tabela 4: Estrutura de ensino implementado em 1978

TABLA TABLA  TABLA  TABLA
TABLA TABLA TABLA  TABLA







Além da ordem normal em que estava estruturado o sistema de ensino
havia, paralelo a este, o ensino de adultos, voltado basicamente para a alfabetização e
ensino geral básico. Mediante o desenvolvimento, os adultos poderiam chegar à
formação profissional técnica.
De acordo com a lei constitucional, os princípios de obrigatoriedade e
gratuidade estavam restringidos à freqüência no primeiro nível de ensino de base.
Segundo Francisca do E. Santo, o “processo de massificação lançado com o novo
Sistema Educativo se inicia com o aumento significativo dos efectivos escolares que
chegam a atingir em 1980 a 1,8 milhões de alunos, numa progressão anual de 10%”
(Espírito Santo, 2000, p. 157). Esta situação de crescimento e da procura iria obrigar o
Estado a buscar uma nova estratégia política de investimento educacional para evitar
que muitas crianças permanecessem fora da escola. Porém, dada a fragilidade do
sistema político, o aumento do número de alunos não obteve, por parte do Estado, uma
resposta adequada, resultando em conseqüências como:

• Maior concentração do número de alunos por turmas;
• Pouca capacidade, por parte da escola, para albergar os alunos e
responder às suas necessidades;
•Elevado número de dificuldades no desenvolvimento do processo
educacional - condições materiais, estrutura física e gestão
pedagógica;
•Taxas de repetências muito altas e aumento do número de
desistência antes de atingir o segundo nível (quinta e sexta classes).
•Baixo nível acadêmico de seus professores, decorrente da falta de
programas de formação de professores, etc.44

Uma situação que nos parece complexa, e por isso urge ser apontada,
é o caráter ideológico e demagógico presente no discurso político. Apontava-se para a
igualdade e gratuidade no sistema de ensino como meta, todavia, esta meta foi
sacrificada em função da prioridade dada à guerra pelo poder. Guerra que obrigava
todos os jovens, sobretudo os do sexo masculino, a ingressarem nas fileiras da vida

________________________________________
44
Neste período, a que nos referimos, quem terminava o segundo nível (quinta ou sexta classe) já poderia
lecionar no primeiro nível (primeira à quarta classe).




militar para um “combate não compreendido”, levou à destruição das poucas infra-
estruturas escolares existentes e gerou a instabilidade política, social e econômica.
Como conciliar a ideologia de guerra (da defesa do poder) e a
efetivação dos princípios da gratuidade e obrigatoriedade de ensino se o elevado índice
de analfabetismo representava terreno propício para aqueles que pretendiam dominar
com maior facilidade possível e com isso garantirem sua permanência no poder? Que
educação foi pensada, de modo geral, para o país durante estes anos de guerra? Quais
resultados a educação apresenta hoje? É importante que estas questões sejam levantadas
para se pensar profundamente sobre o problema de ensino de Angola. Não queremos
com isso ignorar a “vontade” de melhoria manifestada por parte do Estado, em seu
discurso político, durante o período de guerra.
Para a materialização dos princípios de liberdade e gratuidade em
instituições escolares o país teria, necessariamente, que estar em paz e as pessoas em
liberdade, em termos de pensamento político e, sob esta base, efetivar-se uma educação
capaz de levar ao entendimento de questões políticas fundamentais à sociedade
angolana. Ao contrário disso, a preocupação de defesa do poder pelo poder, sem
investimento adequado no setor educacional e sem distribuição de renda para o ensino,
que tivesse em conta as diferenças regionais e culturais do país, parece-nos que falar de
igualdade e gratuidade não passou de uma proposta demagógica. Ou se enganaram
sobre o seu valor ou se iludiram face à precariedade das soluções tomadas para a
educação do país pós-colonial.
As conseqüências advindas da superficialidade das soluções não
tardaram em se fazer presente. Para responder a esta situação realizou-se em 1986 o
primeiro diagnóstico do sistema educacional, e a partir daí foram apontadas novas
linhas para a projeção de um novo sistema educativo, que resultou na elaboração do
documento denominado “Estudo Sectorial de Educação” (Espírito Santo, 2000, p. 157).
A organização e gestão do sistema de ensino apresentava-se de uma
forma centralizada. Suas estruturas estavam organizadas sob dependência vertical,
situação essa que limitava as iniciativas, por parte das províncias - das administrações
locais - para poderem desenvolver um sistema educacional adequado a cada província
__________________________________
45
Grande parte dos jovens capturados e obrigados a ingressar nas fileiras da vida militar, tanto na UNITA
como no MPLA e na FNLA, não tinha grande entendimento, isto é, não sabiam quais razões concretas os
levaria a combater contra outro angolano, uma vez que a independência tinha sido alcançada. A maior
parte destes jovens capturados era analfabeto.






ou região, dependendo da língua. Tal como o sistema político do governo e de seus
órgãos institucionais, a estrutura organizacional da educação previa, segundo Francisca
do E. Santo (2000), alguns órgãos

encarregados das responsabilidades administrativas e de gestão. Desde o
nível central estes órgãos dispõem de vários Directores Nacionais e Chefes
de departamentos sob a autoridade do Ministro ou do Vice-ministro,
incluindo os Delegados Provinciais, os quais têm sob sua responsabilidade as
delegações municipais e estas, as Coordenações Comunais e Direções de
Escolas (Espírito Santo, 2000, p. 159).

As províncias apresentavam diferenças lingüísticas (Umbundo,
Kimbundo, Kikongo, Chokwe, Nganguela, Nhaneka, etc.) que necessitavam ser
consideradas na nova estrutura educacional para com isso, atender às manifestações
culturais que como se sabe, variam de região para região e de uma língua para outra.
Existem elementos comuns, mas são em muitos aspectos diferentes e apresentam
estruturas e manifestações culturais centrais diferenciadas. Em suma, entendemos que é
importante ter-se em conta essas diferenças na formulação do sistema educacional,
como também, na organização do material didático para a alfabetização de crianças,
adolescentes e, sobretudo, de adultos que não conseguem comunicar-se em língua
portuguesa.



3 - Abrangência do sistema educacional
3.1. Educação pré-escolar e iniciação

A educação pré-escolar, conforme foi dito no ponto anterior, estava
subdividida em creche (de 1 a 3 anos de idade) e jardim de infância (de 4 a 5 anos de
idade). A iniciação era feita, normalmente, aos cinco ou seis anos de idade e, depois
desta fase, a criança começava a primeira classe do ensino básico normal.
A educação pré-escolar para crianças, apesar de constar no
organigrama46, (Tabela 4) não foi vista como uma preocupação vital do Estado, mas sim
da sociedade e mais concretamente das famílias. O que mais se proliferou até início dos
anos noventa foi a iniciação, mas, devido à falta de vagas ou escolas perto, muitas
crianças acabavam fazendo a iniciação aos seis ou sete anos. Por outro lado, a situação
de conflitos que se propagou pelo país inviabilizava quaisquer iniciativas de
organização de programas públicos de atendimento à crianças em idade para a pré-
escola. Primeiro, porque as atenções estavam voltadas ao investimento no material
militar, isto é, à potencialização das forças de defesa, segundo, porque o deslocamento
constante das famílias, em função desta guerra, impedia-as de reunir condições
necessários para as crianças freqüentarem a pré-escola.
A pouca atenção dada aos problemas sociais, durante os anos finais da
década de setenta até início de dois mil não se restringe apenas ao ensino. Alastra-se
também para as áreas da saúde, onde os índices de mortalidade infantil são
preocupantes. As crianças (menores de 14 anos), além de representarem,
aproximadamente 43% da população foram atingidas particularmente, também, pela
situação de guerra. Como mostram os dados de 1995, apresentados por Francisca do E.
Santo (2000, p. 159). “1,5 milhões de crianças estão afectadas física, psicológica e
emocionalmente; destas, 840 000 se encontram em condições particularmente difíceis.
500 000 crianças foram vítimas mortais da guerra”. Esta situação dificultou, não só, a
boa aprendizagem e desenvolvimento da criança, nesta fase inicial e decisiva para as
outras fases posteriores, como também no desenvolvimento físico e psicológico.
Estes dados permitem-nos perceber que, durante a guerra, as leis de
defesa ao menor, e as leis internacionais de defesa à infância não foram observadas,
mesmo que em algum momento se tenha aderido à carta internacional dos direitos
humanos e dos cuidados à infância. Além disso, nota-se também uma fraca
expressividade de movimentos populares que poderiam manifestar-se contra. E quando
se tentava fazer havia repressão do Estado em relação a estes movimentos
reivindicadores. A repressão acontecia, não só, como forma de impedir a organização
forte de movimentos e sua manifestação como também aos meios de comunicação que,
até então, suas informações passavam pela vistoria do Estado.

_____
46
Organograma, Brasil.


lém dos dados apontados por Francisca do E. Santo é importante
saber que não se tem, no momento, um dado exato de quantas crianças encontram-se em
situações desumanas, mesmo agora depois da guerra, pois a inacessibilidade em várias
regiões, devido a falta de estradas e pontes destruídas, impedem um cálculo mais
preciso do número de crianças que se encontram sem atendimento escolar, hospitalar e
alimentar (cuidados primários). E, de acordo com um estudo sobre a situação da vida
das crianças, realizado em Angola, (Documentos, 1998) apoiado pela UNICEF, do qual
participaram ONGs, ONU e outros membros de Angola ligados à saúde e educação e
outras áreas, sente-se uma grande ausência de estratégias que pudessem possibilitar a
criação de uma política pública de valorização da infância, que resultasse em melhorias
dos cuidados primários.
Segundo os dados do Ministério da Saúde apresentados no relatório
para o desenvolvimento do milênio em 2003, mais de 75 mil mortes são registradas
durante o ano entre crianças cuja faixa etária varia de zero aos cinco anos de idade. De
acordo com os dados do INE (Instituto Nacional de Estatísticas) e da UNICEF, em
1998, o número de crianças que morriam em cada 1.000 crianças nascidas era de 274,
acima de Moçambique (214) e Zâmbia (202) e um pouco melhor se comparado com o
Niger, que no mesmo ano de 1998 apresentava 320 casos de mortes para cada 1.000
crianças nascidas (In: Documentos, 1998, p. 36). Já os dados de 2002 a 2005
apresentam uma pequena melhoria se comparados aos dados de 1998, registrando 190,5
mortes em cada 1.000 crianças nascidas. Esses dados ainda são muito elevados se
comparados com países “mais ou menos desenvolvidos”, onde os índices de
mortalidade infantil são de menos de 30 para cada 1.000 crianças nascidas. Em Angola
têm sido apontado casos de diarréia aguda, infecções respiratórias agudas, além dos
casos de sarampo e malária, como os principais causadores do elevado índice de
mortalidade infantil. Contudo, não se questionava o papel ou contribuição do Estado na
tomada de medidas para pôr fim a esta situação, não se questionava a posição política,
econômica e sócio-educativa deste, diante da problemática situação que resultou da
guerra em defesa do poder, até 2002.
O Ministério da Saúde aponta a má nutrição, a fraca resposta à
questão de saúde materno-infantil, além do saneamento básico (tratamento e
distribuição da água potável), que é, também, responsabilidade do Estado, como fatores
que têm contribuído para as elevadas taxas de mortalidade infantil. Ora, importa
questionar as políticas de saúde do Estado, o atendimento aos profissionais de saúde
(qualificação profissional, condições econômicas e estrutura física dos hospitais), as
políticas públicas e programas integrados saúde/educação que poderiam estar voltados
ao atendimento das crianças dos 0 aos 5 anos de idade. Segundo o Relatório, que trata
dos objetivos de desenvolvimento do milênio (2003),

é difícil saber se Angola está seguindo ou não a evolução necessária para
atingir a meta de reduzir em dois terços a taxa de mortalidade dos menores de
5 anos para o ano 2015; durante a guerra muitas áreas de difícil acesso
ficaram sem controle do Governo. Com o fim da guerra e a subseqüente
abertura de novas áreas acessíveis, a maior notificação de casos
provavelmente produzirá uma outra visão (Relatório MDG/NEPAD, 2003, p.
48).



Tem havido iniciativas, por parte de instituições como a UNICEF,
UNESCO, ONGs e do Instituto Nacional da Criança, com o objetivo de contribuir para
melhoria e superação da situação apresentada pelo país. Porém, os financiamentos têm
sido insuficientes diante de uma situação que aumenta a cada dia, à medida que nas
áreas onde não se tinha acesso aparecem também casos novos de mortalidade infantil. A
estrutura social e educativa de centros infantis e creches existentes apresentava, no ano
de 2000, um acesso limitado, atendendo 1% apenas das crianças em idade pré-escolar
(Espírito Santo, 2000, p. 160). Isso não difere muito dos dados de 2005 (1,2%) devido
ao crescimento da população e à volta de todos aqueles que, durante a guerra, tinham-se
refugiado em países vizinhos, mais concretamente nas fronteiras da Zâmbia, Namíbia e
da República Democrática do Congo (antigo Zaire).
Como exemplo, pode-se verificar que, nos dados de freqüência dos
alunos na pré-escola (iniciação) de 1990 a 1998 (Tabela 5), apresentados por Conjimbi,
na semana da educação, ocorrida em Luanda no ano de 1999, houve uma diminuição
significativa devido aos conflitos militares. O número de crianças que freqüentavam a
escola no período de 1992 a 1993 sofreu uma redução quando comparado com o
intervalo de anos compreendido entre 1994 e 1998. A intensificação dos ataques
militares no país (entre a UNITA e o MPLA) teve uma repercussão grande na
diminuição do fluxo de crianças nas escolas. O elevado número de inscrições registrado
de 1990 a 1992 deve-se a um período de paz, em que se realizaram os acordos de cessar
fogo com vistas a preparar as primeiras eleições, que viriam acontecer em setembro de
1992.


Tabela 5: Freqüência dos alunos na iniciação (1990-1998)
Nível / Ano 1990/1 1991/2  1992/3  1993/4 1994/5 1995/6 1997/8
Iniciação 164.141 188.710 109.917 168.675 100.778 109.265 157.493
Fonte: Conjimbi, 2000, p. 173.


Desde o ano de 1992/3 a 1995/7 verificou-se uma diminuição
significativa de crianças no acesso à formação inicial, que constitui uma base
preparatória para poder ingressar nas classes seguintes (primeiro nível). É importante
salientar-se também que o atendimento a crianças na pré-escola, além de não
representar para o Estado uma preocupação fundamental, carece de material pedagógico
para o desenvolvimento lúdico, visual, motor, etc. e de especialistas - professores
qualificados - em educação pré-escolar.


3.2. Ensino básico (1a. a 8a. classe)

Subdivide-se em ensino regular, educação de adultos e ensino
especial. O ensino básico engloba o primeiro nível obrigatório (1a. a 4a. classe), dos 6
aos 9 anos de idades, o segundo nível (5a. e 6a. classes), dos 10 aos 11 anos, e o terceiro
nível (7a. e 8a. classes), dos 12 aos 13 anos de idade. Paralelo ao ensino de base, havia
também a formação profissional, dividida em dois ciclos: o primeiro ciclo da 5a. à 6a.
classe e o segundo ciclo da 7a. à 8a. classe. Esta formação estava destinada, sobretudo,
àqueles que pretendiam trabalhar como professores nas escolas de alfabetização,
primeiras e segundas classes do primeiro nível.
O principal objetivo que o ensino básico procurava atingir, segundo o
Ministério da Educação (2004, p. 19. vol. 5), era a “formação integral do cidadão,
através de uma série de conhecimentos gerais, preparando o jovem para a continuação
de sua formação a nível médio e superior ou permitindo a aquisição de habilidades e
saberes” necessários à convivência social e à sua inserção na vida ativa da sociedade.
Encontra-se ligada a este ensino básico uma classe preparatória
(iniciação) que visa, em termos gerais, adaptar a criança ao ambiente escolar, prepará-la
para maior interação com seus semelhantes e um melhor desempenho na primeira
classe. Diferente de outras classes, na iniciação não é obrigatório que as crianças
passem por uma avaliação que vise reprovar aqueles que possivelmente não venham a
adaptar-se devidamente ao ambiente escolar. Faz-se apenas o acompanhamento da
criança para que ela consiga reunir os requisitos a que esta classe se propõe - uma fase
de preparação para a primeira classe.
O desenvolvimento do ensino básico não segue o mesmo ritmo de
crescimento, em todas as províncias, dadas as diferenças administrativas, e o nível de
estabilidade política, social e econômica. Das dezoito províncias que Angola possui
pode-se constatar, fazendo uma divisão deste conjunto de províncias por três, (Tabela 7)
aquelas que apresentam maior índice de alfabetização e aquelas que apresentam menos.
Do total de crianças em idade escolar (ensino básico), que, em 1995, calculava-se em
3.218.860, o que correspondia a apenas 26,3% da população de Angola, verifica-se que
menos da metade destas estavam freqüentando o ensino básico.
De forma geral, segundo o Ministério da Educação, os dados de 1990
a 1998 mostram uma pequena melhoria na educação básica, passando de 45,5% para
55% o número de alunos que freqüentam as escolas em todo o país. Os dados de 2005
apontam para 63,4%. E mesmo assim se faz sentir o constrangimento que resulta do
analfabetismo, afetando significativamente o desenvolvimento nacional do país, pois o
número de crianças que se encontram fora da escola é ainda bastante significativo.

Os factores que podem explicar esta situação são o insuficiente número de
professores, o fraco investimento no ensino de base, a limitada prioridade
dada a este nível escolar, reflectida na distribuição das despesas do sector
[...], a baixa qualidade reflectida nos elevados níveis de repetência, e as
conseqüências da retracção da rede escolar por causa da guerra (Relatório de
Progresso MDG/NEPAD: Angola, 2003, p. 36).


Como se sabe o desenvolvimento da educação não é isolado das
restantes atividades produtivas do país. Sendo assim, parece-nos que é vital que se
estabeleça um equilíbrio entre o nível de vida econômica do país e a educação.
Educação sem investimento adequado47 não permite avanço tecnológico, pesquisas
inovadoras. E uma reforma da ordem do conteúdo e dos níveis, sem reestruturar o
sistema administrativo de ensino e o investimento, não é suficiente para obter-se um
crescimento e desenvolvimento cultural favorável.
Segundo o Ministério da Educação os dados - taxa bruta e líquida de
escolarização primária e taxa de sobrevivência escolar - que a educação apresenta não
são suficientes para atingir-se as perspectivas que o Estado pretende até o ano de 2015.
Para concretizar estas perspectivas pretende-se aumentar a infra-estrutura, o número de
vagas e matricular todas as crianças que estão fora do sistema escolar. O crescimento da
taxa de ensino primário atingiu 9,5% de 1990 a 1998. Ainda de acordo com o Ministério
da Educação, o investimento que está sendo feito no setor educacional (3,82%, 2006) e
na área de saúde (4,42%, 2006)48 ainda não tem sido suficiente diante das necessidades
sociais criadas pela guerra civil. O projeto de construção de escolas não está sendo
concretizado, sobretudo nas regiões mais afastadas das cidades. Continua havendo
dificuldade de acesso ao material escolar ou pedagógico (elevado custo) e formação
insuficiente de professores.
A Tabela 6, a seguir, mostra-nos a taxa de escolarização primária de
1990 e 1998, e nela pode-se notar que o número de permanência das crianças
matriculadas no início do ano letivo é inferior ao número de crianças que conseguiam
chegar à 5a. classe. Entre os fatores que influenciam o baixo número de alunos que
permanece matriculado destacam-se as deslocações das famílias e a questão do número
de vagas, que é inferior (nas classes mais avançadas) ao do primeiro nível (1a. à 4a.
classe). Isso leva muitos alunos, mesmo passando de ano, a ficarem na lista de espera
até que surja uma vaga, que se dá pela desistência de outros.
Contudo, comparando os dados de 1990 (19,8%) com os de 1998
(27,9%) percebe-se que o número de alunos que permanecem, em cada 100 alunos
inscritos na primeira classe, aumentou. Contribuiu para esta elevação o surgimento de
escolas particulares que, até 1990, não existiam no país devido ao sistema político, que
até então não permitia a existência de instituições de ensino particular.


martes, 15 de abril de 2014

librito

3.3. Ensino médio normal e técnico


Este nível de ensino estava organizado ou subdividido em pré-
universitário, com três anos de duração (9a. à 11a. classe), ensino médio normal, com
quatro anos de duração (9a. à 12a. classe) e ensino médio técnico, também com quatro
anos de duração (9a. à 12a. classe).
De forma geral o ensino médio normal ou técnico atende jovens e
adolescentes com idade compreendida entre catorze e dezoitos anos. Havia também o
ensino médio chamado de pré-universitário (PUNIV). No sistema anterior à
independência de Angola, este era tido como uma etapa de transição entre a fase final
do ensino secundário do sistema colonial para o acesso ao ensino superior. Na nova
organização (1976) este nível foi estruturado em quatro semestres letivos (dois anos).
Mas a partir de 1986 foi feita ainda uma nova reestruturação deste nível de ensino,
passando de quatro para seis semestres (três anos).
Existiam duas modalidades de ensino médio. O técnico e o normal. A
formação técnica em nível médio, realizada nos institutos médios técnicos, visava
propiciar uma formação técnica qualificada àqueles que pretendiam incorporar-se ao
mercado de trabalho, dependendo da área de formação. As áreas que mais atendiam a
esta perspectiva de formação eram as do setor industrial, agricultura, pescas,
administração, saúde, petróleo, serviço social, telecomunicações e economia. Desta
forma esperava-se responder às perspectivas do mercado de trabalho mediante a
formação profissional.
O ensino médio normal, realizado no Instituto Médio Normal (IMN),
tinha por objetivo a formação daqueles que desejavam trabalhar como professores do
ensino de base (1a. à 6a. classe). Mas devido à falta de professores formados, em várias
províncias ou municípios, estes professores de nível médio acabavam por lecionarem
também nas 7a. e 8a. classes e em alguns casos até na 9a. classe.
O ensino médio estava organizado em duas linhas ou opções de
formação, cabendo neste caso ao candidato escolher o que melhor lhe convinha. Destas,
uma estava voltada para a formação de técnicos médios num prazo de quatro anos, em
cursos como técnico médio de saúde, economia, jornalismo, indústria, agronomia e de
professores (pedagogia). A outra consistia em um ensino médio que tinha a duração de
três anos (pré-universitário). Este tinha por objetivo preparar candidatos que queriam
ingressar no ensino superior. A formação, nesta linha, era nas áreas de ciências sociais e
exatas.
As dificuldades de aceso ao ensino médio, em grande parte, se davam
também por falta de vagas suficientes, isto é, de infra-estruturas para atender ao número
de candidatos que anualmente terminavam a oitava classe. Esta situação, que se repete
em todas as províncias angolanas, devia-se, além da falta de infra-estruturas ou da
situação de guerra, à falta de políticas de ampliação contínua destas estruturas escolares
para que com isso se pudesse permitir aos alunos continuarem com os seus estudos - da
1a. classe ao ensino médio sem necessidade de parar por falta de vagas. Como se pode
notar, existe uma disparidade elevada (em números) desde a 1a. classe ao ensino médio.
Quanto maior ou mais elevado é o nível ou a classe, menor srá o número de vagas e
menores são as possibilidades de acesso, e quanto menor for o nível escolar maior é o
número de vagas e menores são as dificuldades de acesso.
Com a breve paz de 1991/2 Angola passou a registrar um pequeno
crescimento de alunos no ensino médio, e este passou a estender-se também às
províncias ou locais anteriormente de difícil acesso. De uma maneira geral podia
verificar-se, segundo os dados apresentados por Conjimbi (2000, p. 180), na Tabela 12,
de alunos matriculados nos anos de 1990/1-1997/8.

Tabela 12: Alunos matriculados por cursos no ensino médio 1990-1998

Fonte: Ministério da Educação. In: Conjimbi, 2000, p. 180.

Como se pode notar no quadro acima, nos anos de 1994 e de 1996
houve um crescimento elevado de alunos matriculados neste ensino. Este fato se deve à
abertura de novas possibilidades de cursos médios nas províncias. Destes cursos
destaca-se o técnico médio de economia, indústria, saúde e agronomia. As matrículas
feitas no ano letivo de 1997/8 nas diversas áreas de cursos do ensino médio mostram o
seguinte:

Tabela 13: Distribuição das matriculas 1997/8

Fonte: Ministério da Educação. In: Conjimbi, 2000, p. 181-182.

Analisando a Tabela 13, depreende-se que o curso de economia abarca
maior número de alunos matriculados, o que representa 31% do total de alunos
matriculados; 64% destes alunos concentram-se em Luanda (capital de Angola), onde
está concentrado maior número de instituições escolares. Depois da economia está o
curso médio voltado à indústria, que também conta com um número maior de alunos na
capital do país.
Quanto ao gênero, o ensino médio é freqüentado na sua maioria por
homens. Contudo existem províncias em que este quadro se reverte, como o caso do
Namibe, em que as alunas representam quase 53,2% do total, em Benguela, 55%; e no
Huambo, 60,5%. Isso acontece pelo fato de que, depois de completados os dezoito anos,
os homens eram levados a prestarem o serviço militar obrigatório - incorporação nas
Forças Armadas. Nestas províncias, as buscas pelos jovens, para prestarem serviço
militar obrigatório, eram mais freqüentes do que em outras províncias do de Angola.
Esta situação fazia com que o número de rapazes seja menor no espaço escolar. Aqueles
que não se enquadravam nas Forças Armadas, depois de dos dezoito anos ou desistiam
por falta de documento militar (dispensa militar), ou por imposição do regulamento que
impossibilita alunos de idade avançada matricular-se no ensino médio regular (diurno
ou noturno).
A maioria dos alunos que terminava o ensino médio não conseguia dar
continuidade aos estudos, primeiro pelo limitado número de vagas e de infra-estruturas
universitárias, segundo por falta de condições sociais e de incentivos por parte do
Estado. Outro fator é o caso, já apontado acima, da vida militar, em que grande parte
dos jovens de sexo masculino eram enquadrados.
Outro aspecto constatado no ensino básico e que se repete no ensino
médio é que, à medida que aumenta o nível escolar, diminui o número de alunos devido
à reprovação, desistência e, às vezes, por não haver vagas suficientes no ano seguinte.
Na Tabela 14 se pode notar, além da predominância do número maior de alunos que
Luanda apresentava, o caso de províncias que não têm a continuidade nos quatro anos
de ensino médio devido à falta de professores ou de estrutura (salas de aulas).


Tabela 14: Alunos do ensino médio normal por províncias

Fonte: Ministério da Educação. In: Conjimbi, 2000, p. 183.


3.4. Ensino superior


Este nível de ensino estava subdividido em bacharelado, do primeiro
ao terceiro ano, com caráter terminal (três anos de duração), e a licenciatura no quarto
ou quinto (quatro a cinco anos de duração). Para o instituto de formação de professores,
previa-se a formação em dois níveis: bacharelado e licenciatura.
O ensino superior angolano dava-se em uma única universidade
pública chama “Agostinho Neto” (em memória ao primeiro presidente de Angola) e um
Instituto Superior voltado à área de Educação - ISCED (Instituto Superior de
Educação). O funcionamento desta universidade concentra-se mais em Luanda e agrega
vários ramos das ciências tais como; Direito, Economia, Ciências Agrárias, Engenharia
e Medicina; o ISCED por sua vez estende-se às províncias de Huambo, Luanda,
Benguela e Huíla.
Os dados de 1997/8 mostram-nos o número de alunos, homens e
mulheres que freqüentavam o ensino superior.

Tabela 15: Ensino superior 1997/8 (divisão por sexo)

Fonte: Conjimbi, 2000, p. 184.











Segundo Conjimbi (2000, p. 184) o número total dos estudantes que
estavam matriculados no ensino superior “é relativamente baixo se tivermos em conta
que há 54 estudantes para 100.000 habitantes”. Outro aspecto fundamental a ser
observado é o fato de que “seis faculdades e um Instituto Superior estão em Luanda. A
maior parte dos 35 cursos (82,9%) da Universidade Agostinho Neto e todas as áreas das
Ciências Exactas e Tecnologias, também estão em Luanda”. Outro problema que,
também afeta o ensino superior, é referente ao número de alunos matriculados e o dos
que, efetivamente, conseguem concluir o curso. Calcula-se que para cada cinco
estudantes que ingressam no ensino superior um ou dois destes chega a obter o diploma.
Os demais param antes por falta de condições econômicas ou por desistência ou falta de
professores em algumas cadeiras (disciplinas) e, em outros casos, por reprovação.

3.5. Alfabetização e ensino de adultos
Os propósitos principais sobre os quais assenta a necessidade da
existência deste subsistema de ensino de adultos e da alfabetização são a recuperação do
atraso escolar aos quais, no devido momento, faltaram as possibilidades de
freqüentarem o ensino formal; a erradicação do analfabetismo; “elevação” do nível de
ensino e da formação da população economicamente ativa. Pretende-se ainda, com este
tipo de ensino, atender as exigências da universalização da educação básica e a sua
obrigatoriedade.
Segundo o Ministério da Educação (Plano de acção nacional de
educação para todos, 2004, p. 13) as tarefas e objetivos do subsistema de ensino de
adultos e alfabetização estruturam-se fundamentalmente em duas formas:

1. A Formação de Base: esta integra as ações orientadas para a “aquisição
de competência de leitura, escrita, interpretação e cálculo, bem como para
a satisfação das necessidades pessoais e sociais, pelo que as acções a
desenvolver poderão ter como finalidade a alfabetização em sentido estrito,
por forma a permitir o acesso a conhecimentos e competências, só possível
através de uma educação de base que não se circunscreve à leitura e à
escrita” (Ministério da Educação 2004, p. 13);

2. Os Projetos de Animação Social e Desenvolvimento Comunitário:
estes representam um “eixo privilegiado do desenvolvimento e da
mobilização de grupos sociais de base local, numa dinâmica de resolução
de problemas comunitários e de concretização de projectos próprios”
(Ministério da Educação 2004, p. 13).

Tal como no ensino normal regular, este subsistema de ensino e
alfabetização de adultos também enfrenta dificuldades, como falta de estruturas
suficientes para atender a procura daqueles que necessitam passar por este subsistema e
falta de professores com formação para atender a esta situação que surge, justamente, da
falta de eficiência e pouca abrangência nacional do sistema de ensino normal
implementado no país depois da independência colonial.
De acordo com o Ministério da Educação, os problemas enfrentados
devem-se ao “limitado acesso às oportunidades educativas, à baixa qualidade e
finalmente os elevados custos da expansão do acesso e da melhoria da qualidade”
(MEC, 2004, p. 14. Vol. 5). Contudo, mais uma vez aqui é importante indagar se,
realmente, o problema deve-se, simplesmente, ao custo elevado ou se a resolução deste
problema não representa para o Estado alguma preocupação maior comparada, por
exemplo, ao investimento feito nas forças armadas ou ás verbas destinadas à estrutura
central do Estado (ver Tabela 2).
Em grande parte, o trabalho de alfabetização de adultos tem sido
realizado de acordo com a política de alianças, por Organizações Não-Governamentais
(ONG’s) e por instituições religiosas. Estas organizações nem sempre ou quase nunca
recebem apoio financeiro do Estado para tal intento. O Estado tem se limitado ao papel
de “acompanhamento” e ao de “avaliação”. As ONGs ou instituições religiosas
envolvidas na educação e alfabetização de adultos e os seus recursos provêm de
doadores ou financiamentos de instituições que ajudam atividades sociais ou de recursos
próprios.
Um outro aspecto também contraditório do discurso é que o ensino e
alfabetização de adultos é feita, na maior parte, nos períodos noturnos e, em alguns
casos, no período vespertino por se tratar de trabalhadores e pais de famílias. Todavia, a
grande maioria destas escolas carece de energia elétrica, o que faz com que em vários
estabelecimentos de ensino, não haja aulas por falta de luz elétrica. Este problema, da
ausência da luz elétrica, também afeta alunos regulares, que, devido ao excesso
(demanda) nas escolas em relação à oferta, não puderam ser enquadrados no período
normal (diurno), passando então a estudar de noite. Outra situação ainda mais
preocupante é que, como o Ministério da Educação aponta (2004);

Em termos de docência, o Subsistema da Educação de Adultos sobrevive da
colaboração docente que na pós-alfabetização, quer no II e III níveis, não
tendo professores específicos, estendendo-se igualmente essa situação ao
processo de alfabetização devido às suas características de amplo movimento
sócio-educativo. As habilitações literárias médias dos docentes da Educação
de Adultos é a oitava classe no meio urbano, a sexta classe nas áreas peri-
urbanas e a quarta classe no meio rural (Ministério da Educação, 2004, p. 14.
Vol. 5).


Segundo os dados de pesquisa apresentados pelo Ministério da
Educação, o subsistema - educação de adultos e alfabetização - apresenta um
rendimento muito baixo. Nota-se um abandono de aproximadamente 20%, uma
reprovação de 25% ou mais e uma repetência de 15% ou mais, sendo que, dos
matriculados no início de cada ano letivo, menos da metade consegue chegar ao final do
ano letivo. Foi criado o Instituto Nacional de Educação de Adultos (INEDA) para poder
tratar do problema da alfabetização, porém, nos últimos anos, o Estado tem procurado
adotar novas medidas em relação à questão da alfabetização e ensino de adultos. Estas
medidas têm consistido mais na ausência do que na presença do Estado, diante do
problema do analfabetismo dos adultos, pois estas medidas visam atribuir maior
responsabilidade às ONGs ou organizações religiosas na tarefa de erradicação do
analfabetismo em Angola.
Como aponta o documento do Ministério da Educação que trata da
estratégia integrada para a melhoria do ensino e da revitalização da alfabetização, a
partir de 8 de setembro de 1997, o Ministério da Educação e Cultura tem vindo a
“implementar com sucesso à escala nacional, a nova estratégia da alfabetização e o
processo de reorganização de adultos, assento na política de alianças, consubstanciada
na participação e responsabilização dos parceiros sociais” (MEC, 2004, p. 15) na
concretização de programas voltados à alfabetização e ensino de adultos. O Estado tem
assumido desta forma um papel de controlador, estabelecendo normas de atuação para
as instituições não governamentais que atuam no ensino de adultos e programas de
alfabetização. A política e estratégia de alfabetização e a educação básica de adultos foi
repensada, como afirma o Ministério da Educação (2004)

à luz da nova realidade política, econômica e social, tendo o Estado deixado
de ser o principal protagonista, isto é fazer tudo por todos, remetendo-se ao
papel de reitor, de orientador, de formador de formadores, de promotor, de
regulador, de catalisador, de fomento, de desenvolvimento, de fiscalizador e
de o único certificador de conhecimentos - emissão de certificados
(Ministério da Educação, 2004, p. 15. Vol. 5).



Existe por detrás desta nova política o objetivo de levar os terceiros à
responsabilidade como empregadores e tutores de pessoas analfabetas, sobretudo
daqueles que se encontram em idade economicamente ativa. Este intento é justificado
pelo Estado que, a longo prazo, prevê a extinção de disponibilidades de infra-estruturas
públicas para a satisfação das necessidades daqueles que não puderam ser alfabetizados
(Ministério da Educação, 2004, p. 15. Vol. 5). Pode-se ainda destacar, segundo o
Ministério da Educação, que, de todas as atividades voltadas para a alfabetização de
adultos, 70% são asseguradas por iniciativas de parceiros terceiros (organismos sociais)
e instituições religiosas, ficando o Estado com o papel de certificador de
“conhecimentos”.
Fazendo uma comparação entre homens e mulheres, nota-se que o
número maior de analfabetos é do sexo feminino e, por se tratar de adultos, isto tem
uma repercussão grande dentro da família, em termos de cuidados primários de saúde
como o cuidado da nutrição, saneamento básico, mortalidade infantil, além de outras
situações que, como se sabe, requerem do Estado uma política social mais abrangente,
que permita melhorar a qualidade de vida e mudar os índices de desenvolvimento
humano. De forma geral o índice de analfabetismo é calculado em 60%, sendo que,
deste total, os homens representam uma percentagem menor comparada a das mulheres.
Os adolescentes e jovens que se encontram na mesma situação de analfabetos
representam 56% do total dos inscritos anualmente para a alfabetização e ensino de
adultos.

Desde o período em que foi lançado o programa da Campanha
Nacional de Alfabetização (22 de novembro de 1976) até ao ano de 2000, segundo os
dados do Ministério da Educação (2004, p. 16. Vol. 5), “foram alfabetizados em todo o
país, 2.827.279 cidadãos, dos quais cerca de 48% são mulheres”. O fator que fez com
que o número dos alfabetizados fosse reduzido deve-se a várias situações que, como
destaca o Ministério da Educação, resultam do contexto político militar em que o país se
encontrava. Entre outros fatores destacam-se:

A generalização da instabilidade político-militar que provocou o movimento
migratório das populações em busca de segurança e sobrevivência e o conseqüente
impedimento de equipas de alfabetizadores a muitas áreas rurais onde o
analfabetismo é mais intenso;

A recessão económico-financeira e a inadaptação às transformações políticas,
económicas e sociais, consubstanciadas na adopção do multipartidarismo e da
economia de mercado, estando na origem do desaparecimento do espírito de
voluntariado no qual o programa da alfabetização se tinha baseado;

Metodologias de ensino desajustadas à psicologia de aprendizagem do adulto
(muito formais e acadêmico);

Fraca pertinência social dos conteúdos educativos e sem relação proporcionalmente
directa com a vida sócio-econômica e profissional dos grupos-alvo (sem expressão
funcional);

Débil expansão e generalização da alfabetização em línguas nacionais
particularmente no meio rural;
• Ausência da pós-alfabetização em línguas nacionais;
• Atenção insuficiente à pós-alfabetização, como etapa de consolidação da
alfabetização, particularmente no meio rural, onde os materiais de leitura são
escassos ou inexistentes 53 .

Em suma, o analfabetismo é mais elevado nas áreas rurais do que nas
cidades e províncias costeiras. As províncias que apresentam menor índice de
analfabetismo são: Benguela, Cabinda Huila e Luanda; as que apresentam um índice
maior são: Zaire Bengo, Moxico, Lunda-Norte e Sul, Bié Cunene e Kuando Kubango. A
implementação de projetos de ensino e alfabetização de adultos poderá requer maior
esforço político e social, pois, com o fim da guerra, a concentração de pessoas nas
cidades poderá ser maior, o que exigirá projetos socioculturais amplos de socialização.




pagina 113. FIN










Discurso do Presidente Agostinho Neto na Proclamação da Independência de Angola

Discurso do Presidente Agostinho Neto na Proclamação da Independência de Angola
Em nome do Povo angolano, o Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), proclama solenemente perante a África e o Mundo a Independência de Angola.
Nesta hora o Povo angolano e o Comité Central do MPLA observam um minuto de silêncio e determinam que vivam para sempre os heróis tombados pela Independência da Pátria.
Correspondendo aos anseios mais sentidos do Povo, o MPLA declara o nosso País constituído em República Popular de Angola.
Durante o período compreendido entre o encontro do Alvor e esta Proclamação, só o MPLA não violou os acordos assinados.
Aos lacaios internos do imperialismo de há muito os deixámos de reconhecer como movimentos de libertação.
Quanto a Portugal, o desrespeito aos acordas de Alvor é manifesto, entre outros, no facto de sempre ter silenciado a invasão de que o nosso País é vítima por parte de exércitos regulares e de forças mercenárias. Esta invasão, já conhecida e divulgada em todo o mundo, nem sequer mereceu comentários por parte das autoridades portuguesas que, de facto, não exerceram a soberania a não ser nas áreas libertadas pelo MPLA. Por outro lado, o nosso Movimento enfrenta no terreno várias forças reaccionárias que integram uma espécie de brigada internacional fascista contra o Povo angolano. E nessa aliança incluem-se torças reaccionárias portuguesas que participam na invasão do Sul do País, que o governo português não só não combateu como legitimou tacitamente pelo silêncio e passividade.
Não obstante as organizações fantoches conluiadas com exércitos invasores terem de há muito sido denunciadas pelo Povo angolano e por todas as forças progressistas do mundo, o governo português teimou em considerá-Ias como movimento de libertação, tentando empurrar o MPLA para soluções que significariam uma alta traição ao Povo angolano.
Mais uma vez deixamos aqui expresso que a nossa luta não foi nem nunca será contra o povo português. Pelo contrário, a partir de agora, poderemos cimentar ligações fraternas entre dois povos que têm de comum laços históricos, linguísticos e o mesmo objectivo: a liberdade.
Em Dezembro de 1956, no Manifesto da sua fundação, o MPLA vincava já a sua determinação inquebrantável de luta por todos os meios para a independência completa de Angola afirmando - «o colonialismo não cairá sem luta. É por isso que o Povo angolano só se poderá libertar pela guerra revolucionária. E esta apenas será vitoriosa com a realidade de uma frente de unidade de todas as forças anti-imperialistas de Angola que não esteja ligada à cor, à situação social, a credos religiosos e tendências individuais; será vitoriosa graças à formação de um vasto MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANCOLA».
Força galvanizadora e de vanguarda do nosso Povo, o MPLA inicia heroicamente na madrugada de 4 de Fevereiro de 1961 a insurreição geral armada do Povo angolano contra a dominação colonial portuguesa.
O longo caminho percorrido representa a história heróica de um Povo que sob a orientação unitária e correcta da sua vanguarda, contando unicamente com as próprias forças, decidiu combater pelo direito de ser livre e independente.
Apesar da brutalidade da opressão e do terror imposto pelo colonialismo para asfixiar a nossa luta, o Povo angolano, guiado pela sua vanguarda revolucionária, afirmou de uma maneira irrefutável a sua personalidade africana e revolucionária.
Tendo como princípio a unidade de todas as camadas sociais angolanas em torno da linha política e da formulação clara dos seus objectivos, definido correctamente os aliados, amigos e inimigos, o Povo angolano, sob a direcção do MPLA, venceu finalmente o regime colonial português.
Derrotado o colonialismo, reconhecido o nosso direito à independência que se materializa neste momento histórico, está realizado o programa mínimo do MPLA. Assim nasce a jovem REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA, expressão da vontade popular e fruto do sacrifício grandioso dos combatentes da libertação nacional.
Porém, a nossa luta não termina aqui. O objectivo é a independência completa do nosso País, a construção de uma sociedade justa e de um Homem Novo.
A luta que ainda travamos contra os lacaios do imperialismo que nesta ocasião se não nomeiam para não denegrir este momento singular da nossa história, integra-se no objectivo de expulsar os invasores estrangeiros, os mesmos que pretendem a neocolonização da nossa terra.
Constitui deste modo preocupação fundamental do novo Estado libertar totalmente o nosso País e todo o nosso Povo da opressão estrangeira.
Realizando concretamente as aspirações das largas massas populares, a República Popular de Angola, sob a orientação do MPLA, caminha progressivamente para um Estado de Democracia Popular. Tendo por núcleo a aliança dos operários e camponeses, todas as camadas patrióticas estarão unidas contra o imperialismo e seus agentes.
Os órgãos do Estado da República Popular de Angola guiar-se-ão pelas directrizes superiores do MPLA mantendo-se assegurada a primazia das estruturas do Movimento sobre as do Estado.
E o próprio Movimento não poderá ser nunca um organismo petrificado. Dotado de grande vitalidade e profundamente ligado à dinâmica da revolução, ir-se-á modificando quantitativamente e qualitativamente até ao grande salto que o transformará em partido no seio de uma larga frente revolucionária.
Com a proclamação da República Popular de Angola as FORÇAS ARMADAS POPULARES DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (FAPLA) são institucionalizadas em exército nacional.
As FAPLA, braço armado do Povo, sob a firme direcção do MPLA constituem um exército popular que tem por objectivo a defesa dos interesses das camadas mais exploradas do nosso Povo.
Preparadas na dura luta de libertação nacional contra o colonialismo português e armadas de teoria revolucionária, continuam a ser um instrumento fundamental da luta anti-imperialista.
As FAPLA, como força, libertadora da República Popular de Angola, caberá defender a integridade territorial do País e, na qualidade de exército popular, participar ao lado do Povo na produção para a grandiosa tarefa da RECONSTRUÇÃO NACIONAL.
Angola é um País subdesenvolvido. Devemos ter uma profunda consciência do significado e consequências deste facto.
Os índices tradicionalmente usados para definir o subdesenvolvimento são plenamente confirmados em Angola. Eles dão a imagem da profunda miséria do Povo angolano. Mas dizer que o nosso Pais é subdesenvolvido não basta, é necessário acrescentar imediatamente que Angola é um País explorado pelo imperialismo; que gravita na órbita do imperialismo.
Estas duas componentes conjugadas - o subdesenvolvimento a dependência - explicam por que razão a economia de Angola tão profundamente distorcida, com um sector dito «tradicional», ao lado de sectores de ponta, e regiões retardatárias cercando os chamados «pólos de desenvolvimento». Mas eles explicam também toda a crueza da injustiça das relações sociais.
Pondo ponto final ao colonialismo e barrando decididamente caminho ao neocolonialismo, o MPLA afirma, neste momento solene o seu propósito firme de mudar radicalmente as actuais estruturas definindo desde já que o objectivo da reconstrução económica será a satisfação das necessidades do Povo.
Longo caminho teremos de percorrer. Teremos de pôr a funcionar em pleno a máquina económica e administrativa, combater parasitismo de todo o tipo, acabar progressivamente com as distorções entre os sectores da economia, entre as regiões do País, edificar um Estado de Justiça Social. A economia será planificada para servir o homem angolano e nunca o imperialismo devorador. Ela será permanentemente orientada para uma economia auto-centrada, isto, é, realmente angolana.
A luta pela Independência económica será, consequentemente uma constante da nossa estratégia.
Assim; coerente com as linhas traçadas; a República Popular de Angola lançar-se-á cada vez mais em projectos de industrialização das nossas próprias matérias-primas e mesmo em projectos de indústria pesada.
No entanto, tendo em conta o facto de Angola ser um País em que a maioria da população é camponesa, o MPLA decide considerar a agricultura como a base; e a indústria como factor decisivo do nosso progresso.
O Estado. angolano terá assim a capacidade de resolver com justiça o grave problema das terras e promoverá a criação de cooperativas e empresas estatais no interesse das massas camponesas.
As actividades privadas, mesmo as estrangeiras, desde que úteis à economia da Nação e aos interesses do Povo, serão em seu nome protegidas e encorajadas, tal como estabelece o Programa Maior do nosso Movimento.
A República Popular de Angola estará aberta a todo o mundo para as suas relações económicas. Aceitará a cooperação internacional com o pressuposto indiscutível de que a chamada «ajuda externa» não deve ser condicionada ou condicionante. A longa história do MPLA demonstra à evidência que como força dirigente da República Popular de Angola jamais trairá o sagrado princípio da Independência Nacional.
As nossas relações internacionais serão sempre definidas pelo princípio da reciprocidade de vantagens.
A República Popular de Angola tratará com especial atenção as relações com Portugal e, porque deseja que elas sejam duradoiras, estabelecê-Ias-á numa base nova despida de qualquer vestígio colonial.
O actual contencioso com Portugal será tratado com serenidade para que não envenene as nossas relações futuras.
É evidente que numa primeira fase a nossa economia se ressentirá com a falta de quadros. Para responder a esta carência será elaborado um plano expedito de formação de quadros nacionais, ao mesmo tempo que se apelará para a cooperação internacional nesse domínio. As nossas escolas, a todos os níveis, deverão sofrer uma remodelação radical para que possam de facto servir o Povo e a reconstrução económica.
0 imperialismo não desarma.
Vencido o colonialismo, pretende agora impor-nos novo regime de exploração e opressão utilizando os seus lacaios internos, na vã tentativa de destruir as conquistas já alcançadas pelo Povo.
A determinação revolucionária do nosso Povo de combater a exploração do homem pelo homem, a contradição antagónica que nos separa dos inimigos impõe-nos uma nova guerra Libertadora que assume a forma de Resistência Popular Generalizada e que será prosseguida até à vitória final.
Neste contexto reveste-se de preponderante importância a produção como frente de combate e condição basilar e vital para o avanço da nossa resistência. E para dar unidade de acção a todo o esforço produtivo do nosso Povo, para tirar o máximo rendimento do trabalho das massas, para que seja efectivamente garantido o apoio às gloriosas FAPLA, a República Popular de Angola tomará todas as medidas necessárias para enfrentar a situação decorrente da invasão do nosso País.
A República Popular de Angola reitera solenemente a decisão de lutar pela integridade territorial de Angola opondo-se a toda e qualquer tentativa de desmembramento do País.
A República Popular de Angola considera tarefa prioritária, vital e inalienável a expulsão dos exércitos zairense e sul-africano, e dos fascistas portugueses, assim como as dos fantoches angolanos e mercenários de várias origens, que constituem as forças conjugadas do imperialismo na agressão ao nosso País.
A nossa luta anti-imperialista, sob a forma de resistência, é a expressão de uma irredutível contradição de classe, que opõe os interesses do nosso Povo aos do, imperialismo internacional. Porém, as contradições existentes no seio do Povo, entre as várias classes e grupos sociais anti-imperialistas, pertencem à categoria de contradições secundárias, e como tal devem ser resolvidas.
A República Popular de Angola propõe-se dinamizar e apoiar a instauração do Poder Popular à escala nacional. As massas trabalhadoras exercerão assim o poder a todos os escalões, única garantia da formação do homem novo e do triunfo da nossa revolução.
A República Popular de Angola considera como um dever patriótico inalienável e de honra a assistência privilegiada e a protecção especial aos órfãos de guerra, aos diminuídos e mutilados de guerra pelos sacrifícios consentidos na luta de libertação nacional.
Envidará ainda todos os esforços, no sentido da reintegração completa na sociedade de todas as vítimas da guerra de libertação nacional.
A República Popular de Angola reafirmará o propósito inabalável de conduzir um combate vigoroso contra o analfabetismo em todo o País, promover e difundir uma educação livre, enraizada na cultura do Povo angolano.
O Estado realizará todos os esforços para instituir à escala nacional uma assistência médica e sanitária eficiente, dirigida fundamentalmente às massas camponesas até agora privadas desse direito pelo colonialismo.
Preocupação dominante do novo Estado será também a abolição de todas as discriminações de sexo, idade, origem étnica ou racial e religiosa, e a instituição rigorosa do justo princípio: - «a trabalho igual, salário igual».

A República Popular de Angola, sob a orientação justa do MPLA, estimulará o processo da emancipação da mulher angolana, direito conquistado através da sua participação na luta de libertação nacional e na produção para a resistência generalizada do nosso Povo.
A República Popular de Angola afirma-se um Estado laico com separação completa da Igreja do Estado, respeitando todas as religiões e protegendo as igrejas, lugares e objectos de culto e instituições legalmente reconhecidas.
A República Popular de Angola, ciente da sua importância e das responsabilidades que lhe cabem no contexto da África Austral e do mundo, reitera a sua solidariedade para com todos os povos oprimidos do mundo, em especial os povos do Zimbabwe e da Namíbia contra a dominação racista.
O Povo de Angola, sob a orientação da sua vanguarda revolucionária o MPLA, exprime a sua solidariedade militante para com o povo da África do Sul na sua luta contra o regime racista que o oprime.
Reafirma a sua solidariedade combatente e militante com os povos de Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e com as suas vanguardas revolucionárias, FRELIMO, PAIGC e MLSTP, companheiros das horas difíceis da nossa luta comum.
Reafirma a sua solidariedade militante e combatente com o povo de Timor dirigido pela sua vanguarda revolucionária a FRETILIN.
Reafirma a sua solidariedade com o povo palestino na sua justa luta pelos seus direitos nacionais contra o sionismo.
Alcançada a Independência Nacional, o MPLA e o Povo angolano agradecem comovidos a ajuda prestada por todos os povos e países amigos à nossa luta heróica de libertação nacional.
O nosso agradecimento dirige-se a todos os povos e países africanos que estiveram do nosso lado, aos países socialistas, às forças revolucionárias portuguesas, às organizações progressistas e governos de países ocidentais que souberam compreender e apoiar a luta do Povo angolano. A República Popular de Angola, soberana, manterá relações diplomáticas com todos os países do mundo, na base dos princípios de respeito mútuo, da soberania nacional, não ingerência, de respeito pela integridade territorial, não agressão, igualdade e reciprocidade de vantagens, e da coexistência pacífica.

A República Popular de Angola, Estado africano, livre e independente, exprime a sua adesão aos princípios da Carta da Unidade Africana e da Carta das Nações Unidas.
A política externa da República Popular de Angola, baseada nos princípios de total independência, seguidos desde sempre pelo MPLA será de não alinhamento.
A República Popular de Angola saberá respeitar os compromissos internacionais que assumir, assim como respeitará as vias internacionais que utilizam o seu território.
A República Popular de Angola, País empenhado na luta anti-imperialista, terá por aliados naturais os países africanos, os países socialistas e todas as forças progressistas do Mundo.
Compatriotas, Camaradas!
No momento em que o Povo angolano se cobre de glória pela vitória do sacrifício dos seus melhores filhos, saudamos na República Popular de Angola o nosso primeiro Estado, a libertação da nossa querida Pátria.
De Cabinda ao Cunene, unidos pelo sentimento comum de Pátria, cimentado pelo sangue vertido pela liberdade, honramos os heróis tombados na longa resistência de cinco séculos e seremos dignos do seu exemplo.
Respeitamos as características de cada região, de cada núcleo populacional do nosso País, porque todos de igual modo oferecemos à Pátria o sacrifício que ela exige para que viva.
A bandeira que hoje flutua é o símbolo da liberdade, fruto do sangue, do ardor e das lágrimas, e do abnegado amor do Povo angolano.
Unidos de Cabinda ao Cunene, prosseguiremos com vigor a Resistência Popular Generalizada e construiremos o nosso ESTADO DEMOCRÁTICO E POPULAR.
HONRA AO POVO ANGOLANO
GLÓRIA ETERNA AOS NOSSOS HERÓIS
A LUTA CONTINUA! A VICTÓRIA É CERTA!
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